segunda-feira, 26 de junho de 2017

Moreno: jornalismo e vida em grandes goles


Em algum aeroporto,  na cobertura da Campanha das Diretas.pelo Globo, 1984

         
no aniversário de 2  anos de meu filho Rodrigo, seu afilhado. O outro menino que ele abraça, no chão,  é o Felipe Fernandes, filho de Rodolfo e Sandra,  hoje líder da banda Sargento Pimenta. 1993.


      
         "Moreno morreu de tanto viver."  Assino embaixo, digo à Ana Tavares, a primeira pessoa para quem ligo ao chegar ao Brasil,  dez dias depois da morte dele.   Concordo com a síntese perfeita embora,  nos últimos 10 anos, eu não tenha estado “dentro” da vida intensa do Moreno, como nos 30 anos que vão de nosso encontro na UnB, como estudantes, em 1977,  ao ano de 2007,  em que ele se muda para o Rio e eu deixo as Organizações Globo, onde trabalhamos juntos por 24 anos.  Ana, juntamente com Ali Kamel e Sandra Fernandes,  morando no Rio,  são talvez os únicos  participantes da “turma do Pacu”,  nossa tribo em Brasília,   que se tornam também frequentadores da glamurosa  “Lage” onde pouco estive.  Para a sofreguidão de viver do Moreno,  um dia Brasília ficou pequena e provinciana. Ele precisava de mais luz, mais gente, mais brilho.  É do Moreno do tempo de Brasília que eu preciso falar um pouco, embora com atraso, depois que tantos já o choraram e reverenciaram.
         Nem por isso, por não ter estado dentro da bolha efervescente de sua vida nos últimos tempos,  o soco no coração foi menor quando a notícia de sua morte – sempre temida mas sempre esconjurada pela ilusão de sua eternidade -  me alcançou  por whatsaapp na Victoria Station, tomando o metrô para uma reunião de trabalho lá em Londres.   Como  nos velhos tempos, quando  navegávamos naquela relação complexa de entregas e cobranças, de brigas fingidas e reconciliações sentimentais,   protestei mentalmente: “Moreno, como é que você resolve morrer numa hora destas, quando estou fora do pais e nem poderei  ir me despedir?”.   Ali mesmo gravei um vídeo meio transtornado e meio tosco no celular e pedi ao Rodrigo  – meu filho, que ele batizou e que se orgulhava tanto dele   - que postasse no Facebook.  Foi minha forma de justificar para o Moreno minha ausência em seu velório.  Sempre temi as cobranças do Moreno. Nunca ousei recusar uma convocação dele para uma tertúlia, especialmente se fosse política,  pois como colunista do Globo eu fazia ali um certo papel de isca. Sabíamos disso.   Dizer não a ele era sempre comprar briga, coisa que nós, suas amigas, evitávamos ao máximo. Especialmente eu e Cristiana Lobo, por conta da ambição de controle que ele sempre teve sobre nós duas, naqueles velhos tempos.   
         Chegando ao Brasil, além de ligar para a Ana, passei dois dias lambendo a ferida, lendo na Internet  tudo o que foi publicado sobre a morte dele.   Moreno deve ter aprovado e adorado seu próprio funeral. Foi digno dele.  O conjunto da cenografia faz pensar no funeral de um homem de Estado, de um luminar da Cultura, de um pop-star, de um ser humano muito querido . Pois em verdade ele foi um pouco de tudo isso, para além de um grande jornalista.  Obrigo a Ana a me contar detalhes de seu último almoço com ele, na véspera da morte, presente o Seu Bastos, o tio dele que sempre  encontrávamos na casa de Brasília.    Faço com que ela me conte tudo do funeral.  Ela conta,  mas também  quer recordar os velhos tempos.   Ana já era assessora de imprensa de Fernando Henrique Cardoso quando ele assumiu o Senado, em 1983. Ainda vivia em São Paulo quando foi  “adotada” pelo Moreno como fonte e como irmã querida e respeitada.  Recordamos dezenas de passagens que vivemos juntos, inclusive nossa tumultuada viagem a Cuiabá para o enterro de seu Juca, o pai de Moreno. Pouco tempo depois morreu a mãe, dona Alzira.   Eles eram, para o Jorge,  a ponte entre Brasília e Cuiabá.  Depois que eles se foram, acho que Moreno sentiu-se mais livre para se fixar no Rio, onde se tornou xamã de outra tribo, luzente de belas atrizes, músicos, celebridades. Ele continuava agregando pessoas, sem perder o fio com as fontes importantes da política.
                   Ora, dirão,  estou  falando da pessoa e não do grande jornalista Jorge Bastos Moreno.  Talvez esteja também falando muito de mim mesma numa elegia.  Ok, quem puder que separe as duas figuras. Eu não sou capaz.  Moreno foi o jornalista que foi por determinação de sua personalidade ímpar.  A combinação entre suas grandes qualidades e alguns defeitos agudos (entre eles a falta de limites para viver, comer e tudo o mais que desse prazer)  produziu  a pessoa extraordinária  que se entregou de corpo e alma à profissão,   para nela realizar grandes feitos e deixar exemplo.  Fazia parte de sua paixão pela vida a  busca do  não-sabido  para compartilhá-lo com os outros em forma de notícia.   Nele, jornalismo e vida era uma só coisa. Por isso não separo. Ademais, acho que estou escrevendo apenas para mim mesma, e o faço como quero.  Tudo junto e misturado.
         Foi ainda na Universidade que sobressaiu-se a força do repórter na pessoa do Moreno. Em 1977, fizemos uma greve heroica na UnB contra o reitor imposto pela ditadura, o capitão-de-mar-e-guerra josé Carlos Azevedo.  Ele punira alguns estudantes por um ato público em  memória de Edson Luiz, morto pela ditadura no restaurante Calabouço nove anos antes.  Em nossa santa insolência resistente, pedíamos a  cabeça do reitor,  bancado  por um homem forte do regime, o general Hugo Abreu,  chefe da Casa Militar de Geisel.  A greve se arrastou, o campus foi invadido, outros mais foram punidos. Eu era da vanguarda estudantil e era amiga do Moreno. Ele ainda não se formara mas já trabalhava no Jornal de Brasília como repórter. Fez uma longa entrevista com Azevedo. Uma boa entrevista, que expunha o autoritarismo do reitor. Muitos o criticaram.  Outros, como eu, o defenderam.  Ele fizera a entrevista como  repórter e devia ser respeitado como tal.  A patrulha calou-se. Ali mesmo, no Jornal de Brasília, no ano seguinte,  ele daria seu primeiro grande furo, ao revelar que Figueiredo seria o sucessor escolhido de Geisel.
         Moreno se formou e seguiu em frente. Logo estaria em O Globo.  Após  um processo,   uma clandestinidade de dois anos no Rio e a Anistia, voltei a Brasília e me formei em 1981. Passei pela TV Brasília, Jornal de Brasília e Correio Braziliense antes de abril de 1983, quando Moreno me indicou para uma vaga de setorista do Congresso  no Globo.  Vinda dele, a indicação foi aceita pelo coordenador de política, Antônio Martins, e pelo diretor da sucursal, José Carlos de Andrade. A partir daí, pelos 24 anos seguintes, tivemos uma convivência profissional diária, fomos unha e carne na vida pessoal,  tivemos brigas e reconciliações em série e provamos a força de nossa amizade nos bons e maus momentos de nossas vidas. 
         Nos anos 80, éramos jovens, duros e acreditávamos no país que haveria de surgir com o fim da ditadura, já então desdentada.  Moreno morava  num apartamento de quarto-e-sala na 310 norte e ali fez suas primeiras tertúlias político-gastronômicas.   Eu estava no primeiro jantar que ele ofereceu ao comandante da oposição, Ulysses Guimarães, à base de peixes pantaneiros. Lembro-me de um peixe enorme numa travessa. Acho que ainda não era o pacu.   Lá estavam, espremidos na salinha, além de doutor  Ulysses, os deputados Airton Soares e Cristina Tavares, e mais uns dois ou três.  Alguns de nós, jornalistas,  fomos comer no quarto.  Mas logo ele se mudaria para a casa da QL 2, a primeira em que morou no Lago Norte, e lá os almoços e jantares se ampliaram. A antecessora da Carlúcia era a Joaninha, que também cozinhava muito bem.
         Em 1984, viajamos pelo Brasil afora cobrindo a campanha das diretas. Tudo era uma festa.   Depois, cobrindo os comícios que procuravam dar legitimidade à candidatura de Tancredo pelo Colégio Eleitoral, na transição pactuada que o Brasil acabou fazendo, após a derrota da emenda Dante de Oliveira pela ditadura.    A relação de Moreno com Ulysses e Tancredo daria outro livro que ele não quis ou não teve tempo de escrever.
          Após a eleição de Tancredo, em janeiro de 1985, o Globo escalou Moreno para cobrir a viagem de Tancredo por vários países, avisando ao mundo que a ditadura no Brasil acabara.  Morri de inveja mas era tarefa para ele mesmo, com seu faro e seu acesso ao presidente eleito.  Em março, entretanto, Tancredo é operado na véspera da posse, e transferido para o Incor, em São Paulo. Eu e Moreno fomos mandados para lá, e logo recebemos o reforço  do Luis Erlanger, pois a cobertura era diuturna. Nós nos revezávamos e eu esperava que Tancredo morresse no turno do Moreno, que era mais experiente para escrever uma matéria tão trágica para o país.  Na noite de 21 de abril, estando de folga, ele aceitou o convite de Jô Soares para um show do humorista num teatro paulistano.  Tancredo morreu quando eu e Erlanger estamos de plantão, e tivemos que nos virar. Quando Jô anunciou no palco o que acabava de acontecer, Moreno se mandou para o hospital para nos ajudar;
         Vieram o turbulento governo Sarney, a Constituinte e os governos democráticos seguintes.   A redação do Globo era um celeiro de jovens jornalistas dispostos a desbravar os novos tempos democráticos que estavam chegando.  Faziam também parte da equipe de política quando cheguei, se a memória não me trai,  Cristiana Lobo,  Cida Fontes, Silvia Faria,  Miriam Moura, Consuelo Dieguez,  Graça Ramos, Monica Yanakiev,  Vera Manzolilo,  Ariosto Teixeiria, que já se foi também, e logo chegaria o Robson Barenho.   Estou omitindo muitos nomes por esquecimento.  Moreno já era uma espécie de decano da turma, o campeão dos furos e o indicador do rumo dos ventos para os diretores.
         Virei colunista, por graça do Evandro Carlos de Andrade, no ano de 1985, e isso incomodou um pouco o Moreno. Depois ele assimilou o fato e tornou-se um importante colaborador da coluna, a mesma onde agora, sob a titularidade de Lydia Medeiros, ele veio a ter um “cantinho do Moreno”.  Este nicho, no meu tempo, já existia na prática.  Talvez tenha faltado sensibilidade minha para fazer a proposta. Ou generosidade. Ou criatividade. Ele teria gostado.  Quando se incomodava com alguma coisa minha, ele dizia: “criei uma cobra”.  Mas gostava mesmo era de repetir o “Tereza Cascavel” que certa vez o saudoso Severo Gomes me lançara, por conta de uma nota maldosa.  
         Severo  e sua mulher Henriqueta foram grandes amigos de Moreno. Morreram com Dr. Ulysses e dona Mora no acidente do helicóptero que caiu no mar depois de Angra.  Nós, amigos do Moreno, temíamos pela reação dele à morte do “velho” mas ele assimilou o golpe.   Foi de Severo que ouvi uma explicação tocante sobre seu modo ilimitado de viver. Moreno começara a sofrer do coração mas não parava de comer, de fumar, de receber  e de se matar de trabalhar em busca de furos e feitos. Eu e Sandra, nesta época, éramos as padioleiras, sempre a levá-lo ao pronto-socorro, às vezes ao Rio e a São Paulo.  Saindo do Piantela, depois de uma noitada política em que Moreno regera a noite, ao comentar seus excessos Severo  diagnosticou: “Ele carrega uma dor que só consegue sublimar assim,  vivendo desbragadamente”.
         Nos anos da transição, Moreno tinha um trunfo que nos suplantava a todos,  a relação especial com Ulysses.  Ao se candidatar,  na primeira eleição presidencial, em 1989, Ulysses o convocou para ser seu assessor de imprensa. Moreno hesitou, sofreu com o dilema: não podia dizer não a Ulysses,  já tão traído por seu partido, numa campanha destinado à derrota. Mas deixar a redação para se tornar assessor de imprensa poderia comprometer sua carreira. Todos nós, seus amigos, apoiamos a decisão final de aceitar. O  Globo havia sinalizado que ele poderia voltar. Voltou e brilhou por mais longos anos. 
         Não foi fácil.   A imprensa não dava  bola para a candidatura de Ulysses, que nunca decolou nas pesquisas.  Collor assumiu a dianteira nas pesquisas e logo atrás vinham, embolados, Lula, Brizola e Covas.  Moreno me fez um pedido. Acompanhar Ulysses numa viagem pelo Nordeste.  Era uma aposta importante para a candidatura, que talvez decolasse com a ajuda de governadores do PMDB.   O Globo autorizou. Num pequeno avião, eu e ele, Ulysses e seu vice Waldyr Pires, corremos alguns perigos nesta viagem que durou uma semana.   Pousamos numa pista cercada pela queimada em  Sobral (CE) e fizemos um pouco arriscado na pequena pista de Teixeira de Freitas (BA). Em Recife, Miguel Arraes ofereceu a Ulysses um comício vazio e um jantar protocolar, como se dissesse: “fiz o que pude, lavei as mãos”.  Ulysses, o timoneiro da oposição, que ensinara ao Brasil o “resistir é preciso”,  que enfrentara os cães da ditadura e arrastara milhões para as ruas na campanha das diretas, terminou em quinto lugar. Moreno voltou ao Globo.
         Ulysses não morreu politicamente com  a derrota de 89. Ainda seria “o condestável” do governo Sarney e o Senhor Constituinte entre 1987 e 1988.  Ainda teve muito poder e influência e Moreno sempre compartilhou conosco seu acesso ao “velho”, como já o chamávamos.    Em torno dele organizava almoços e jantares para os quais convidava não só nós, de O Globo, mas também coleguinhas de outros jornais.   Depois da viagem pelo Nordeste,  passei a merecer também o afeto de Ulysses.  Dele guardamos em casa duas relíquias, ambas relacionadas com o Moreno.  Uma, a foto de Ulysses com Rodrigo  no colo, segurando desajeitado aquela trouxinha azul, aos sete dias de nascido.  Ele pedira a Moreno que o levasse a visitar-me mas teria que ser bem cedo, pois que o Congresso fervia com as preliminares do impeachment de Collor.   A outra é um exemplar da primeira edição da Constituição, dedicada ao Rodrigo por Ulysses no dia 6 de outubro de 1992. Era aniversário dele, eu e Moreno fomos cumprimentá-lo.  Na véspera, a nova Constituição completara quatro anos.  Ulysses perguntou pelo “garoto”,  puxou o exemplar da gaveta, fez a dedicatória  e me disse. “Entregue quando ele crescer”. Ulysses morreu seis dias depois.
         No ano passado, quando Rodrigo ingressou na carreira diplomática, Moreno me ligou. “Você ainda tem aquela foto do meu afilhado no colo do Dr. Ulysses?”. Claro que sim.  Ele tivera uma ideia. O Globo estava preparando um material sobre o centenário de Ulysses. Moreno pensou em fazer um box mostrando que o menino que Ulysses pegou no colo agora era diplomata e guardava a Constituição autografada.   Rodrigo, porém, achou que não ficaria bem para ele. Pareceria exibicionismo. “ Ele tem razão”, concordou o padrinho.
         Voltemos ao jornalismo, embora eu insista: na vida de Moreno não houve esta fronteira.   Em algum momento,  eu e ele, por alguma indisposição doméstica, atravessamos a rua a convite do Ricardo Noblat e fomos trabalhar no Jornal do Brasil, no prédio defronte, onde já trabalhava o Rodolfo.    Acabamos voltando os três para O Globo.  Quem se empenhou muito nisso foi o Carlos Lemos, então diretor da sucursal, com o apoio de Evandro Carlos.  Isso foi em 1987,  depois da Constituinte.  Eu voltei para assinar a coluna da página 2, que antes apenas redigia.  Desde então atuamos muito em “trio”. Em 2010, eu era presidente da EBC, trabalhava como uma louca mas Moreno precisava almoçar comigo. Tinha algo grave a me contar. Lá fui, e só depois que me empanturrei de arroz com galinha, pois agora já não ia tanto a sua casa, ele desembuxou: Rodolfo tinha uma doença grave e morreria em breve. Chorei em silêncio enquanto ele me passava a mão nos cabelos.
                  Os anos 90 foram ricos e inesquecíveis, trazendo inclusive mudanças tecnológicas.  O jornalismo vive anos que considero os mais positivos para a mídia brasileira. Neste período, a imprensa contribuiu efetivamente para  a  consolidação da democracia e para a superação da hiperinflação.   Havia nas redações um pluralismo que não existe mais.   Competição sempre houve, é da natureza de qualquer ofício, mas não havia ainda a intolerância para com a posição do outro. Não havia a busca do pensamento único que vai desaguar no macarthismo do anos 2000, especialmente depois da chegada de Lula à presidência.  Não havia o antipetismo, o direitismo exacerbado de alguns, nem  aconteciam expurgos ideológicos, como estes que vieram a ter lugar mais tarde,  transformando as redações em manadas adestradas.  Moreno, é claro, continuava sendo o alfa e o beta da redação de O Globo.   Ralava de dia e à noite reinava na “turma do Pacu”.   Ela não reunia apenas jornalistas e nem só jornalistas de O Globo.  Havia certa flutuação mas alguns eram sócios permanentes, como Rodolfo Fernandes e Sandra,   Gilnei Rampazzo e Eliane Cantanhede, Cristiana Lobo e Murilo, Ana Tavares, Mariângela Hamu, Laerte Rimoli, Eraldo Pereira e Cecília, Helena Chagas e Bernardo.   Além de Erlanger,  Ali Kamel e Dacio Malta, ao tempo em que foram os diretores da sucursal.  Se alguns omito, é por esquecimento.   Ás vezes nos reuníamos só para comer, beber e falar mal do mundo. E como se comia ali, já sob Carlúcia: arroz com galinha caipira, arroz de pato, costelinha assada, farofa de banana da terra, pernil de cordeiro com molho de romã, leitões e leitoas e...pacu.  Cabe aqui uma ressalva antes que me entendam mal. Falei em grandes goles aí no título como metáfora para quem viveu intensamente mas Moreno nunca bebeu. Como eu. Nem por isso, deixava de ter um bom vinho ou um uisque para os que apreciavam.  Nestas orgias gastronômicas do seu tempo de Brasilia, havia sempre ou quase sempre um ou mais políticos convidados, e Moreno sabia como compor o grupo, pois que estes encontros quase sempre se transformavam em entrevistas coletivas em off.   Que saudade tenho de suas festas juninas, onde eu tinha sempre a tarefa de fazer o quentão. Estas festas eram só nossas. Depois que ele se foi para o Rio, a turma acabou. Assim como agora não haverá quem reúna o glamuroso  grupo da Lage.
         Em Brasília, tudo mudou nos anos 2000. Os tempos finais do governo FH foram críticos. Governo desgastado, crise cambial, expectativa de mudança com a eleição de 2002.  Com a vitória de Lula,  começa a transmutação da imprensa em oposição.  Jantares entre políticos e jornalistas, como se viu, eram normais. Mas quando eu fiz um jantar-entrevista coletiva com o presidente Lula, convidando colegas de todos os jornais,  o mundo caiu sobre mim.  Em 2007, eu estava asfixiada. Não hesitei quando,  através do Franklin Martins,   - que chefiara a sucursal de O Globo, fora diretor regional da TV Globo e com quem eu atuara na Globonews – Lula convidou-me para liderar a  implantação da EBC e da TV Publica, a TV Brasil.   Não vou aqui discutir o projeto nem minha decisão, que Moreno não aprovou. Achou que era loucura.  Para piorar, quando ele ficou sabendo eu já acertara minha saída com Rodolfo e João Roberto Marinho no Rio. Achou que foi deslealdade mas não poderia ter sido de outro modo.    Mesmo discordando, fez minha festa de despedida e dedicou-me texto lindo em seu blog. Ali, diariamente, eu postava um comentário para a “Radio do Moreno”, que ele inventara. Ele gostava, dizia que chamava ouvintes. E eu fazia de bom coração, embora não fosse minha obrigação. 

         Com minha saída das Organizações Globo, e a mudança dele pro Rio,  houve o inexorável distanciamento, que nunca porém abalou meu afeto e minha admiração pela pessoa tão singular que, como escreveu Kamel, deixou marca tão linda em todos nós. Nos últimos dias, ruminei algumas poucas palavras que precisava dizer sobre Moreno quando chegasse em casa. Acabaram sendo talvez demasiadas, falei dele e também de um tempo que não volta mais, em todos os sentidos. Demasiadas, mas na medida do meu sentimento.  Agora posso dizer:   Vai, Jorge, agora você é um mito. E mitos não morrem jamais.

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